quinta-feira, 19 de junho de 2014

Um percurso ainda incerto


Iniciei a escrevê-lo em 2009. Desde então, vim realizando edições a partir de inúmeros leitores a quem confiava a leitura. Apresentei-o a duas editoras. Apesar de alguns elogios à escrita, ao estilo, à forma, e também ao conteúdo, não houve interesse em publicá-lo por entenderem que o público escolar não teria interesse em promover debate sobre alguns temas abordados na obra e que foram classificados como  'polêmicos". 

Um tanto frustrado, pois imagino que o papel das editoras é, também, o de promover debates e reflexões, mas compreendendo que, por vezes algum texto nosso não corresponda a linha editorial de algumas editoras, insisti uma vez mais quando a Editora Edelbra, em 2014, solicita-me um texto juvenil para publicá-lo ainda no primeiro semestre deste ano. Grata surpresa foi receber um aceite quase imediato, com algumas sugestões. Eu precisaria fazer algumas concessões. A algumas, acolhi. Fazer um livro é também fazer junto aos editores. Da orelha, feita gentilmente pela respeitadíssima especialista em Literatura da UFRGS, Professora Márcia Ivana de Lima e Silva, segue o texto na íntrega. Na edição, por necessidades de atender questões técnicas do projeto gráfico, o original sofreu mudanças.

Agradeço à Márcia, pela consistência e generosidade de sua orelha, que ouviu ao meu texto com atenção, jogando para muito além as palavras ainda incertas desta minha caminhada que se inicia na Literatura Juvenil.  

A marca da palavra


Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é pra te dar coragem/
Pra seguir viagem
Quando a noite vem

Tatuagem - Chico Buarque


Ao construir sua teoria para o texto literário, Mikhail Bakhtin estabelece a palavra como material privilegiado da vida humana, porque ela tem, ao mesmo tempo, o papel de instrumento de veiculação de idéias e o papel de material da vida interior, o que a torna o primeiro meio de expressão da consciência individual. A confluência dessas duas dimensões da palavra aflora nitidamente quando da leitura de Eu é um outro, primeira narrativa juvenil de Hermes Bernardi Jr., temos a palavra em estado profundo, através do relato de Eduardo sobre dúvidas e descobertas, próprias da idade, repleto de poesia e encantamento.
A estratégia de colocar Edu numa sessão de análise dá a possibilidade de trabalhar com a dupla dimensão da palavra: a palavra que presentifica sentimentos e veicula idéias e a palavra que recupera o passado. O leitor atento tem de acompanhar a narrativa, de modo a perceber o jogo de ação e memória, que se imbrica na história do jovem, construindo um enredo que é igualmente representativo do individual e do coletivo.
No processo de constituição de sua identidade, Eduardo busca as palavras que o definam, aquelas que se tornem sua marca e que também marquem o outro. Esse encontro, repleto de descobertas, de avanços e de recuos, imprime no sujeito, muito mais importante do que certezas, dúvidas, elemento essencial para que consiga ser um e outro, num movimento construtivo tanto individual quanto coletivamente. Acima de tudo, Eu é um outro é um libelo a favor do sujeito e da palavra lírica que alcança sua dimensão social.

Márcia Ivana de Lima e Silva
Professora do Instituto de Letras - UFRGS/RS