segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Entrevista
O contador enquanto autor

No calor do verão, o Hermes tira umas férias das contações de histórias e do Terça eu contro pra você!. Enquanto isso, aproveita o tempo livre para se dedicar àquela atividade pela qual é apaixonado: a criação de histórias.

Nesta entrevista exclusiva, Hermes revela alguns dos seus segredos sobre a arte e o ofício da escrita para crianças.

O que lhe inspira a escrever suas histórias?
Situações da infância que presencio e que ficam martelando em minha cabeça. Ao escrever sobre elas, tento auxiliar a criança nesse caminho de transposição e compreensão das mesmas. Outras vezes são imagens ou frases do dia-a-dia que escondem uma história doida para ser revelada. Por isso mantenho-me atento. Às vezes, a criança que vive em nós precisa de quarenta anos para compreender pequenos eventos que marcam o sujeito por toda uma vida. Minha inspiração nasce da necessidade em ajudar a encurtar esse tempo.

Você já escreveu prosa, poesia e prosa-poética, além de roteiro para teatro. Qual estilo lhe dá mais prazer na escrita?
Quando comecei a escrever, as histórias sempre me vinham na forma de prosa-poética. Acho bacana o ritmo, a melodia e os compassos que a reunião de palavras pode criar. Eu escrevia essencialmente com a emoção. Atualmente, estou seduzido pela prosa. Despejo no papel milhares de anotações usando da emoção para não deixar escapar aquela imagem, situação ou pensamento. Depois, o que é mais desafiador e portanto mais prazeroso, faço uso da razão e organizo as coisas tendo em vista a criação. É nesse momento que me divirto, brincando com as frases e palavras feito um quebra-cabeça, tentando chegar a um acordo com o texto que começa a se impor sobre o meu desejo. E o computador ajuda muito neste processo, pois tem duas ferramentas mágicas: recortar e colar!

De todos os seus dez livros publicados, qual foi o mais difícil de escrever? Hoje, você mudaria alguma coisa em algum deles?
O mais difícil foi Casa Botão, por ser um apólogo - uma história com objetos que ganham vida. É um desafio criar uma narrativa crível com personagens inanimados. Nesse livro, utilizo dois tipos de narrador: o narrador onisciente, que sabe tudo o que se passa fora e dentro da personagem, e o narrador-câmera, que descreve ignorando o que se passa no íntimo das personagens. Foi um exercício e tanto! Já com a poesia, me divirto brincando com seriedade. Percebo que tenho mais facilidade com este gênero, pois me sinto descompromissado com excepcional efabulação. Há um novo título que deve sair em breve, pela Editora Projeto, chamado E um rinoceronte dobrado. É poesia na forma e no conteúdo. Tenho especial carinho por esse texto que está sendo ilustrado pelo Guto Lins, por que o considero o cerne da criação do livro Planeta Caiqueria, da mesma editora. Tenho vontade de reescrever os meus primeiros três títulos, mas não sei se o farei.

Você tem uma rotina de trabalho?
Escrevo sempre pela manhã, bem cedo. Seja uma nova história, seja uma história sobre a qual me debruço há cerca de cinco anos e que nesse interim já se modificou milhares de vezes. À tarde, quando não estou visitando escolas ou viajando a trabalho, leio, ando pelas ruas, tomo sorvete, olho as pessoas, observo tudo à minha volta, não páro nunca. De alguma forma sei que isso vai ser reproduzido em meus textos, seja de forma sutil ou óbvia. Se um verso ou idéia me desperta na madrugada, atendo ao seu pedido e vou-me ao computador ou à caderneta de anotações - minha companheira inseparável.

O que você está lendo, no momento?
Estou lendo tudo que me cai nas mãos sobre literatura infantil. Ando faminto por estudar. Estive lendo Nos bastidores do imaginário: criação e literatura infantil e juvenil, de Anna Cláudia Ramos, da Editora DCL. Esse livro foi o combustível que eu precisava para buscar outras leituras necessárias e fundamentais para quem escreve literatura infantil e juvenil. Agora tenho catorze títulos sobre o assunto na fila de espera. Sinto-me revigorado vendo-os à espera de serem lidos!

Enquanto você escreve um livro, você imagina as ilustrações?
Já escrevi pensando em determinado ilustrador ou tipo de traço para complementar a narrativa. Hoje não o faço mais. Detenho-me a cuidar das palavras e deixo que o editor faça seu trabalho e suas escolhas quanto à ilustração. Se ele permitir, indico, sugiro, mas não faço exigências. Há ilustradores que gostam de trocar idéias com o autor do texto e há editores que facilitam esse diálogo. Outros, não. Respeito ambos os procedimentos, mas fico ansioso. Amigos que lêem meus textos antes de fechar com alguma editora comentam que a narrativa seria bem ilustrada por determinado ilustrador. Não me deixo influenciar, apesar de, às vezes, concordar. Prefiro não alimentar certas expectativas. Guardo na gaveta um projeto junto ao desejo de ilustrar um texto de minha autoria. Pensando nisso, estudei Desenho e Pintura por três anos, mas me falta coragem. Minha auto-crítica é ferina!