quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Entrevista
Revelando a história do contador

Contador de histórias bom é aquele que envolve e emociona qualquer platéia. E este é um feito que o Hermes consegue a cada edição do Terça eu conto pra você! O que muitos ainda não sabem é que a sua prática nesta arte partiu de forma espontânea e logo cedo conquistou admiradores.

Nesta entrevista, Hermes fala sobre a sua relação com a arte da contação de histórias – que começou com uma iniciativa inédita em Santiago, no interior do Rio Grande do Sul, há mais de vinte anos.

Quando você começou a contar histórias?
Foi por volta dos meus 18 anos, em Santiago. Eu freqüentava a Biblioteca Municipal e estranhava não haver público entre tantos livros interessantes. Foi então que a diretora da biblioteca e eu pensamos em criar a Hora do conto, em que eu contava histórias gratuitamente para turmas de escolas. O projeto conquistou público e o secretário de Educação foi me assistir. Nesta época, eu era metido a ator e me valia disso para contar histórias. O secretário gostou tanto do trabalho que me contratou e eu passei a receber salário pelo trabalho. Isso, há 24 anos e no interior, foi um privilégio. Nos anos seguintes, fiz contações nas bibliotecas das escolas da cidade e da área rural. Vivi experiências incríveis, como ter de carregar caixas de livros em atoleiros onde a kombi que nos transportava não passava. Isso tudo para que os livros chegassem até às crianças que nem sequer tinham bibliotecas em suas escolas.

Contações de histórias fizeram parte da sua infância?
Não. Eu mesmo fui atrás das histórias. Meus irmãos me consideravam chato; eu era aquela criança que gostava de inventar e que não sossegava enquanto não descobrisse coisas diferentes. Então, eu tive de encontrar algum alento, o que veio através dos livros. Eu passava horas na sala de casa, mergulhando em livros, todos abertos à minha frente. Eu contava histórias para meus bichos de feltro, que eram meus amigos na época. Quando eu tinha nove anos, fiz um teste vocacional que havia em um desses livros. O resultado foi: músico, escritor ou ator. Coincidência ou não, atualmente escrevo para crianças, atuo e dirijo teatro. Canto também, mas só no banheiro, por enquanto.

Esta arte é exclusiva para as crianças?
Nunca. As pessoas não se dão conta, mas na hora das refeições todos nos transformamos em contadores de histórias, diante da família. Então, é para qualquer idade. Ouvir e contar histórias estabelece vínculos com o outro e com nossa capacidade de imaginar. Os adultos têm mania de achar que contação de histórias é só para crianças. Às vezes, vou contar histórias e eles se colocam à parte do grupo; ficam em pé, atrás mim ou atrás das crianças. E eu sempre me movimento entre o grupo enquanto conto e vou direto aos adultos, tentando integrá-los à contação, sempre com bom humor e de maneira que lhes pareça prazerosa e não obrigatória, senão a fantasia se acaba.

Você tem um trabalho reconhecido e requisitado no teatro – como ator, diretor e dramaturgo. Você usa estes recursos nas contações de histórias? Afinal, quando a contação vira teatro?
Quando existe jogo, conflito e ação. Eu utilizo alguns recursos teatrais para realizar as contações porque não posso ignorar minha trajetória e entender que contação de história tem de ser apenas eu, o livro e os ouvintes. Sou ator, dirijo teatro e tenho certo conhecimento de palco, impostação de voz, equilíbrio de cena, forma, triangulação. E na contemporaneidade, tudo se mistura. Teatro é uma forma de contar histórias, mas a contação propriamente dita tem seus mistérios e suas técnicas que devem ser respeitadas e, atualmente, incrementadas. Particularmente, faço contações dramatizadas; ou seja, mesclo o narrador e intercalo-o com as personagens representadas em cena. Utilizo-me de um ou outro adereço e, se houver possibilidade, utilizo música e luz. Está lá o ator, a direção, a música, o figurino, a iluminação, o cenário... e está lá o narrador, figura que o teatro em outro tempo ignorou e agora, na contemporaneidade, traz de volta para a cena. Para que o teatro aconteça, precisa haver ação. Ação é decorrente do conflito. Não existe história sem conflito e não existe teatro sem conflito. Não existe história sem jogo e não existe teatro sem jogo. Logo, a contação de história é teatro, pois há conflito, e ação, e é um jogo entre contador e seu interlocutor.

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