sexta-feira, 28 de maio de 2010

Da Letícia Wierzchowski pra mim

A última casa da minha rua (e uma rua cheia de casas)

Já escrevi aqui que moro numa rua pequena, porém apertada de prédios. Nem sempre foi assim - quando cheguei, prédios já havia, e foi num deles que viemos morar. Mas havia também casas e jardins floridos e, num terreno perto da esquina, uma roseira faceira que teimava em crescer suas flores para a calçada, ofertando-nos rosas diariamente. Há muito que aquela casa sumiu, sua roseira morreu e já não nos dá suas flores. No seu lugar, em meio ao barulho, cresce um prédio moderno. Agora temos só uma única casa aqui na rua; à espera de que um burocrata de uma grande incorporadora bata seu pesado martelo. Pois, infelizmente, as casas, hoje em dia, já não são mais casas: são terrenos onde crescerão os prováveis prédios de amanhã. Batido o martelo, aí sim virão bater as marretas e as retroescavadeiras gemerão outra vez nas nossas janelas, terra irá e terra virá, e mais um pedacinho desse nosso azul há de perder espaço para o concreto.


Pobre da minha rua, que anda tão cansada - o ruído constante das obras não a deixa mais dormir. Agora já não é mais uma rua pacata, nem ela, nem as ruas vizinhas: somos todos um grande canteiro de obras num bairro cada vez mais valorizado. Eu faço troça dessa mania brasileira de destruir tudo de roldão e depois dizer tolamente que é o progresso chegando, e fico a sonhar com uma ruazinha bem silenciosa, onde ainda os pássaros cantem nas suas árvores, uma rua de gramados e jogos de futebol repletos de gritos infantis. Mas essa rua, se existe, está bem longe daqui (ando a olhar com aumentado carinho a nossa sorridente zona sul). Eu fico sonhando com essa ruazinha calma, o meu filho mais velho sonha com uma casa onde possa ter um cachorro bem grande. Mas, por ora, seguimos aqui nesse apartamento onde fomos - e somos - tão felizes.

Porém, acabo de conhecer uma colorida ruazinha com dez casas. Dez casas e um poste que Pedro fez. Essa rua dos meus sonhos está num livro - o autor desse livro é o Hermes Bernardi Jr., e a editora é a Projeto. E em cada casa mora um bicho, uma música, uma quadrinha. Lá moram o boi da cara preta, o peixe vivo, a vaca amarela. Nossa senhora, quanto bicho! Muito bicho e muita casa sem nenhuma chave. Aliás, há uma chave, sim, que abre essa história e todos as outras histórias do mundo - a imaginação. Nessa rua, eu também quero morar.

Por Letícia Wierzchowski, Jornal Zero Hora - 27/05/2010. Segundo Caderno, pág 06.

2 comentários:

Tino Freitas disse...

Parabéns, Hermes. Linda a resenha. Por aqui estamos curiosos para conhecer seu novo livro. Acho que será no Salão da FNLIJ. Se der, nos vemos por lá. Abraços saudosos e musicais.

H disse...

Tino, querido, obrigado! Nos vemos no Salão para conferirmos os lançamentos. Eu lanço um, mas você eu sei que lançará dois. Eita! Que bacana, querido. Beijos procês.