sábado, 17 de setembro de 2011

Ler não tem preço!

Ouvindo a bela entrevista de Marilza Conceição, nossa coordenadora regional da AEILIJ Paraná, para o e-amanhã do canal on-line do Governo do Estado do Paraná, ouvi a apresentadora dizer que livro no Brasil é caro. Não concordo. Livro tem uma vida estimada em 15, 20 anos. Perpassa mãos leitoras e leitores incontáveis. Como não gosto de calar e com a literatura desenvolvi meu senso crítico, abaixo discorro alguns poucos motivos que me levam a afirmar que o problema não é o preço do livro. O formato da nota é no formato da mensagem que enviei aos aeilijianos, associados da entidade de escritores e ilustradores que represento, a AEILIJ, em resposta ao vídeo que está aqui http://www.video.pr.gov.br/index.php?video=1629. Seria interessante ouvir a entrevista para em seguida prosseguir a leitura desta nota/mensagem.

Lanches de marcas famosas, fast foods - como o próprio nome diz - são consumidos uma vez por mês por inúmeras crianças brasileiras, entram pela boca, saem três horas depois por outro local e ainda saem cheirando mal e custam bem mais caros se pensarmos neste "custo benefício". Em minha casa, por exemplo, não entra coca-cola (que meus sobrinhos - com exceção de um -, pai, mãe e irmãos adoram) que faz um mal enorme à saúde. Com o dinheiro a ser investido neste veneno vou juntando as moedas e posso comprar um bom livro para eles, inclusive. Não tomo refrigerante há 25 anos. Com essa grana economizada povoei a estante com livros e quando um familiar vem me visitar e pede coca-cola eu abro a estante e despejo livros no tapete. Ao lado coloco um copinho de suco natural ou um copo com boa água. Para pai e mãe ofereço chá. E ponho-me a fazer a mediação da leitura.  

Esses lanches e outros desejos de consumo que nos plantaram via marketing nada mudam em sujeito algum, ao contrário do livro que entra pelos olhos, pela boca, pelo nariz, na pele, e pelo cérebro onde encontram, por vezes, uma porta secreta pro coração do leitor. Acho que esse preço é bem barato frente a tudo que um livro faz de diferenças na vida de quem lê. Dilua-se o valor de capa pelo estimado tempo de vida de um livro e pode-se perceber que ele custa barato, bem barato. O que ocorre é que, ainda em nossa sociedade o livro não tem a mídia necessária e o marketing dedicado a fazer dele um alimento essencial. Se o brasileiro não consegue comprar livro, como ele conseguiu comprar celulares e outros apetrechos tecnológicos para todos os membros da família? 

O fato é que livro não é da cultura do brasileiro por que não diz-se, não replicamos aos quatro ventos, que livro é prazer. As mídias todas estão a falar sobre livro ser caro. Pronto! Estão a criar um enorme problema, uma fronteira. Se muita gente estava a caminho de se tornar leitor vai passar a pensar melhor antes de ir ao encontro dos livros. Diz-se que livro serve para aprender. Prefiro dizer que livro serve para desprender. Soltar-nos de tudo que convencionou-se dizer sobre ele servir para ensinar. Não leio livros para aprender. Leio-os para me soltar, me sentir livre, me emocionar e perceber o quanto sou humano por que nos livros existem pessoas parecidas comigo, que viveram situações semelhantes. Isso me conforta como leitor. Com estas experiências vividas atravees da literatura eu me salvo por que as minhas dores e alegrias se humanizam ao encontrarem eco. Tento mostrar isto a cada pessoa com quem convivo. A mudança começa em casa e com os amigos, a quem sempre dou um livro que vi, li e gostei muito. 

Fala-se em livro popular. Ótimo, vamos facilitar o acesso. Quem um dia acostuma-se com algo mais barato outro dia vai desejar o outro mais caro. Ou nunca mais vai desejar nenhum outro, haja visto alguns livros baratos nos distanciam da qualidade. Já temos tantos livros populares! Recontos de tudo a preços módicos. Adaptações simplificadas a R$1,99. Se o brasileiro não os compra é por que livro não é sua prioridade. Ele não cresceu com esta fome. Não lhe estimularam a sentir esta fome. Uma questão mais cultural do que financeira. Meu sobrinho pede que eu lhe compre um determinado lanche e eu vou conversando com ele sobre livros a caminho da lancheria e depois, estrategicamente desvio o caminho para dar uma 'passada' na livraria. Mostro a ele um ou outro livro que custe por volta do mesmo preço do que viríamos a gastar com o lanche. Depois me aproximo de outro, mais caro, de acabamento melhor. Se escrito ou ilustrado por um amigo do titio, melhor ainda, abro-o, mostro suas ilustracões, falo a respeito do autor, comento o traço, a paleta de cores, leio suavemente um pequeno trecho das palavras, deixo-o com água na boca e nos olhos. Se ele desejar o livro negocio o câmbio de uma coisa por outra. Se ele aceitar, ganha ele ao ganhar um livro. Ganho eu como mediador. E depois, claro, eu até invento um lanche mais simples, artesanal e rico em proteínas em casa para matar sua outra fome enquanto folheamos o presente alimento futuro. Forma-se leitores não somente dando livros, mas despertando no presenteado o desejo de nutrir a fome de lê-los.

Como autor não posso concordar que livro é caro. Livro é investimento. Essa prática, inclusive de reafirmar que livro é caro, distancia o possível leitor do objeto de arte e da possibilidade de renovação que propicia um livro a seu leitor. Distancia o leitor de nutrir esta fome. Torna o livro, cada vez mais, algo indesejado e inalcansável. Torna-o secundário, sempre, na vida de qualquer pessoa, como se ler não nos fosse vital.

Hermes Bernardi Jr.
Escritor e Ilustrador de LIJ

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